Comunicado

Queridos e queridas,

Nos próximos dias, e talvez durante todo o próximo mês, estarei ausente por motivos de força maior.
Gostaria de agradecer a todos que vem aqui ler as baboseiras que escrevo.
Aproveito para parabenizar o Doug e a Paju que recentemente obtiveram aquela que eu considero a maior vitória quando se é jovem. Mas não se iludam, a faculdade não é a mesma dos filmes, com pessoas correndo nuas pelos corredores e nem cerveja nos bebedouros (decepção).
Bem, eu não deixarei de escrever, acho que sou física e emocionalmente incapaz desta proeza. Então quando voltar terei coisas novas para mostrar a vocês.
Obrigado por tudo pedacinhos do meu coração espalhados pelo Brasil :)

Se ao menos eu fosse uma borboleta.

O céu me dá forças para saber
Que existe paz em algum lugar lá em cima
Talvez um paraíso particular
Tão quieto, tão calmo, estou iludida
Em minha cama me deito
E ainda acordada sonho com aquele lugar
Tão longe de mim
Isso me faz querer chorar
E de tanto chorar o sono vem
Observar os meus sonhos, com planos de
Rezar pelo dia em que eu morrer



Livre adaptação da música If only I were a butterfly

Felisberto.

Felisberto, contrariando seu nome, não era nada feliz.
Era um homem ranzinza e solitário, não gostava de crianças, nem de plantas ou animais.
Não tinha interesse por cinema ou música. Não gostava de teatro e odiava grandes aglomerações.
Ele era empregado de uma grande fábrica de sapatos. E não gostava de lá.
Por vezes Felisberto implantou pregos nas solas de sapato que fazia apenas para deleitar-se com a possibilidade de alguém se machucar com aquilo.
Mas ele sempre era pego pela inspeção de qualidade. E lá vinha o supervisor.
Ele não suportava o supervisor, ele era deveras repetitivo e Felisberto odiava repetições.
Mas Felisberto não fora sempre assim. Crescera como uma criança normal. Sujava a roupa com sobremesa e passava as tardes a brincar com seus amigos. Não tivera uma adolescência agitada. Afinal, os nerds são sempre deixados para trás.
Foi ao ingressar na faculdade que sua vida começou a mudar. O agito social, os encontros com a galera aos finais de semana, as viagens. Foi nessa correria de estagiário recém-formado que ele a conheceu.
A sucubus maliciosa, deliciosa Má-riana.
Eu te amo Fê, eu te amo. - ela repetia.
E ela o fez cair de joelhos, o acorrentou a si e se jogou ao abismo.
Ai, Mariana, por que me abandonastes? Por que não me deixastes ir embora contigo?
Aos poucos Felisberto foi perdendo a vontade de viver,  todo seu desejo pertencia a ela. Aquele anjo suicida. Os anos passaram tal qual segundos. Ontem 23, hoje 45.
E Felisberto agora é apenas, e nada mais que, um amargo e solitário coração partido.

Liberdade Maria, liberdade.

These wounds they will not heal...

Não há como fazer o relógio voltar atrás. Pois as horas de diversão são minutos e as de obrigação são intermináveis. Ele cambaleava, tentando acertar o caminho de volta para casa. Será que conseguiria?
As luzes ainda estavam acesas. Ele pensava na desculpa que daria dessa vez. Mas não haviam muitas opções quando o odor etílico era tão forte. Ele abre a porta. Ouve passos firmes vindo em sua direção.
Afinal, quem era aquela mulher? Não podia ser aquela por quem havia se apaixonado um dia, não havia a menor possibilidade de ser a mesma. Ah, como ela era maravilhosa, com seus belíssimos cabelos dourados, formas voluptuosas e olhar lascivo. 
Esta figura que se projetara à sua frente era completamente diferente, desleixada, com os cabelos cinzentos e desgrenhados, um corpo disforme e olhar vazio.
- Isso são horas? Seu bêbado de merda. Aposto que estava desperdiçando seu dinheiro com essas vadiazinhas. Por que você não fica na rua de vez?
- Não grita comigo, sua vagabunda. O dinheiro é meu e faço com ele o que bem entender. E eu não precisaria de nada disso se tivesse uma mulher de verdade em casa. E não esse monte de merda que você se tornou. 
- Está esperando o quê? Vá logo embora. Eu não preciso de você, nunca precisei.
- E vai viver de quê?  Esqueceu que sou eu que boto comida nessa casa? Nem pra puta você serve, além de velha já está toda acabada.
Havia um enorme vazio em sua alma. Ele não enxergava, não entendia. Nunca entenderia.
Puta. Puta. Puta.
Escutara de seu avô, de seu padrasto. De todos aqueles que se aproveitaram de sua inocência.
Pobre Maria. A agressão era a única forma de autodefesa que conhecia. Conhecera. Do alto de seus 42 anos de idade, não sabia nada da vida.
Nunca houvera ninguém por Maria. Nem haveria.
Ela ajuntou os caquinhos restantes de coragem, de vontade. Subiu as escadas, pôs algumas roupas em uma sacola plástica. Podia escutá-lo quebrando o pouco que ainda lhe pertencia. Pela primeira vez, não se intimidava com os gritos de escárnio, de humilhação.
Desceu as escadas com a pequena embalagem agarrada ao seu corpo, não o podia ver. O silêncio agora a atemorizava. Chegou ao último degrau. Podia vê-lo agora, descaído sobre o sofá vomitado.
Seus olhos correram por cada canto daquela casa, cheia de memórias, malditas memórias. Inalou pela última vez o odor fétido daquela casa. Abriu a porta e saiu.
Em seu êxtase Maria não notou o caminhão vindo em sua direção, não ouviu buzina ou gritos. Só pensava em sua liberdade. 
Ai, doce liberdade.
Palavras repetidas ecoavam em sua cabeça.
Repetiam-se palavras.
As palavras que ecoavam em sua cabeça eram as mesmas.
Repetidas, letra por letra.
Repetia as palavras.
Era repetido por palavras.
Formavam-se novas palavras.
Repetidas.
E ele permanecia sem saber o que escrever.

Muito prazer, Rafaella.

Eu vejo por todo lugar, jovens de 15, 16 anos, muito seguros, cheios de fidúcia e por vezes alguma altivez. Penso com meus botões que há algo de errado comigo, afinal, eu, já no alto de meus 19, findando o superior, trabalhando na área e relativamente bem-remunerada, ando cheia de incertezas. A paixão pela profissão já não é a mesma dos primeiros semestres de faculdade, os sonhos também têm perdido a força. Às vezes flagro-me pensando em como seria se tivesse tomado outro rumo. Será que eu, aos 16 também me fazia apresentar desta maneira? Uma adolescente déspota e egoísta. Eu penso que não. Embora seja extremamente egoísta e azeda agora, aos 16 eu tinha tudo que uma garota poderia querer, pais compreensivos, um namorado legal e amigos verdadeiros. 
Sabe, eu não sei quando minha vida mudou tanto, qual de minhas escolhas me trouxe para onde estou agora. Tenho buscado respostas durante toda a minha vida, mas para quais perguntas? Quero realmente saber tudo? Quero realmente conhecer-me por completo? Qual seria a vantagem disto? Uma das lições que a vida me ensinou é que não se pode conhecer tudo, e que esse é o barato de tudo. Então, embora quase nada esteja valendo a pena hoje, amanhã quem sabe o céu me sorrirá um sorriso amarelo. Manchado de um cigarro barato.

Poeminha infantil e desastroso.

Ele gostava de pensar sobre a ferocidade da solidão.
Aliás era só nela que ele pensava.
A voraz solidão. Infame, inescrupulosa e retroativa.
Ou radioativa. Dependendo do clima.

Pensava afinal, no homo ignobius.
Aquela espécie dominante e esquisita.
Como gostaria de ser diferente.
Um raio de sol, uma gota de chuva.
Um sopro gelado, um vento quente.

Se imaginava gaivota a voar.
Alto se ia, caía.
No mar como um belo peixe que seria.
Correndo em meio às arvores.
A se esconder do predador.
O maldito ser humano e sua arma.
Nenhum pudor.

Aquela caça agora se tornava caçador.
Aquele homem que atemorizava.
Não disfarça o terror.
Com uma patada eu o derrubo.
Ele grita ao cair no chão.
"Meu amigo, quem manda nesta floresta sou eu.
O leão."

Poeminha Amoroso.

amor;
mordaz;
mordida;
ferida;
dançante;
tenaz;
azucrinante.

Incubo straziante

Eu a observava receber carícias daquele estranho.
Estávamos sentados à beira-mar.
Eu nunca me imaginaria nesta situação. À beira-mar.
São Paulo é uma cidade tão diferente daqui. - disse à ela.
Eu imagino. - ela respondeu friamente.
Estar naquele lugar para mim era um refúgio, férias de uma vida que eu não gostaria de ter.
Mas ao mesmo tempo, era torturante vê-la ali.
Tão próxima a mim, mas tão distante.
O que ela queria de mim afinal?
Por que me trouxera para perto de si se não me queria junto a ela?
Desde que eu chegara ainda não havia tido um momento à sós com ela.
Aquela garota que tanto me queria, agora simplesmente me ignorava.
E eu a queria tanto.
Fiquei ali, com os pés mergulhados n'água e a cabeça afundada em "pensentimentos".
Quando dei por mim novamente, eu estava sozinho. Sempre sozinho.
Olhei para trás e lá estava ela.
Caminhando graciosamente em minha direção. Acompanhada apenas do seu belo sorriso.
A imagem agora se deteriora, ela parece desvanecer...
Corra, Maria, corra.
O seu andar airoso foi interrompido e nós sequer chegamos a nos tocar.
Maldito despertador.

Freiheit.

Ela observava cada detalhe.
Cada canto daqueles cômodos com atenção.
Fotografava-os com o olhar.
Guardaria para sempre aquela casa dentro de si.
Cada momento vivido ali.
O tempo lá fora agitava.
Todo serelepe por poder presenciar este momento.
Ainda com um certa hesitação.
Ela desceu o último degrau.
Caminhou em direção à porta e a abriu.
Com sua pequena mala em mãos.
Com sua gaita e sua esperança agarradas ao peito.
Ao pôr o primeiro pé do lado de fora.
Sentiu a primeira gota de chuva.
Como se ela fosse perder um momento como aquele.
Ela caminhava, vitoriosa.
Presenteada com o doce aroma de terra molhada.
Com o sabor pungente de liberdade.

Um caso, por acaso.

Ele caminhava como se estivesse sozinho.
E de fato estava.
Mesmo acompanhado daquela bela mulher.
Tentava se lembrar de onde a conhecia.
Eram vãs suas tentativas.
Andava perdido.
Em meio as pessoas e pensamentos.
Distanciava-se o olhar.
Da mulher e da realidade.
Chegara à encruzilhada de sua vida.
Fechou os olhos e atravessou.
Ecoou a sonora buzina.
- Você está muito novo para morrer. - disse ela.
- E se for apenas o tempo certo? -
Pensou e nada disse.

Un foglio bianco.

Mais uma vez. Lá estava ele.
Empacado frente à magnificência do vazio.
Não era sequer a sombra do escritor que fora.
Naquele remoto futuro.
Seria. Tornar-se-á.
Sem rascunhos seguia a vida.
Uma folha branca, amassada, rasgada, pisada.
Foi ao chão depois da chuva.
Suja.
De lama e humilhação.
No chão.
Do poeta o coração.