Liberdade Maria, liberdade.

These wounds they will not heal...

Não há como fazer o relógio voltar atrás. Pois as horas de diversão são minutos e as de obrigação são intermináveis. Ele cambaleava, tentando acertar o caminho de volta para casa. Será que conseguiria?
As luzes ainda estavam acesas. Ele pensava na desculpa que daria dessa vez. Mas não haviam muitas opções quando o odor etílico era tão forte. Ele abre a porta. Ouve passos firmes vindo em sua direção.
Afinal, quem era aquela mulher? Não podia ser aquela por quem havia se apaixonado um dia, não havia a menor possibilidade de ser a mesma. Ah, como ela era maravilhosa, com seus belíssimos cabelos dourados, formas voluptuosas e olhar lascivo. 
Esta figura que se projetara à sua frente era completamente diferente, desleixada, com os cabelos cinzentos e desgrenhados, um corpo disforme e olhar vazio.
- Isso são horas? Seu bêbado de merda. Aposto que estava desperdiçando seu dinheiro com essas vadiazinhas. Por que você não fica na rua de vez?
- Não grita comigo, sua vagabunda. O dinheiro é meu e faço com ele o que bem entender. E eu não precisaria de nada disso se tivesse uma mulher de verdade em casa. E não esse monte de merda que você se tornou. 
- Está esperando o quê? Vá logo embora. Eu não preciso de você, nunca precisei.
- E vai viver de quê?  Esqueceu que sou eu que boto comida nessa casa? Nem pra puta você serve, além de velha já está toda acabada.
Havia um enorme vazio em sua alma. Ele não enxergava, não entendia. Nunca entenderia.
Puta. Puta. Puta.
Escutara de seu avô, de seu padrasto. De todos aqueles que se aproveitaram de sua inocência.
Pobre Maria. A agressão era a única forma de autodefesa que conhecia. Conhecera. Do alto de seus 42 anos de idade, não sabia nada da vida.
Nunca houvera ninguém por Maria. Nem haveria.
Ela ajuntou os caquinhos restantes de coragem, de vontade. Subiu as escadas, pôs algumas roupas em uma sacola plástica. Podia escutá-lo quebrando o pouco que ainda lhe pertencia. Pela primeira vez, não se intimidava com os gritos de escárnio, de humilhação.
Desceu as escadas com a pequena embalagem agarrada ao seu corpo, não o podia ver. O silêncio agora a atemorizava. Chegou ao último degrau. Podia vê-lo agora, descaído sobre o sofá vomitado.
Seus olhos correram por cada canto daquela casa, cheia de memórias, malditas memórias. Inalou pela última vez o odor fétido daquela casa. Abriu a porta e saiu.
Em seu êxtase Maria não notou o caminhão vindo em sua direção, não ouviu buzina ou gritos. Só pensava em sua liberdade. 
Ai, doce liberdade.

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