Crônica sobre minha infância

Quando criança gostava mais de histórias de suspense e terror do que de brincar de boneca, casinha ou qualquer outra coisa. As histórias de vampiros sempre foram as minhas preferidas, embora eu também adorasse as de zumbis e bruxas, o fascínio pelos noctívagos sugadores de sangue cresceu surpreendentemente ao longo dos anos. Acredito que tenha sido aos doze, comecei a ler Poe, o que me deu uma nova perspectiva de histórias prediletas. O modo como ele escrevia, como ele entrava no subconsciente de seus personagens, explorando o lado mais obscuro e doentio dos seres humanos, bem mais reais e interessantes que os vampiros. Contos extasiantes como “Berenice” (um de meus preferidos), “Manuscrito encontrado numa garrafa” e “O gato preto”, reunidos no, que para mim é o melhor livro de todos os tempos, Contos do Grotesco e do Arabesco, também conhecido como Histórias Extraordinárias, de 1848. Segue um trecho do poema citado em “A queda da casa de Usher”:
No mais verde dos nossos vales,
habitado por anjos bons,
antigamente um belo e imponente palácio
- um palácio radiante – se erguia.
Nos domínios do rei Pensamento,
lá se achava ele!
Jamais um Serafim espalmou a asa
sobre um edifício tão belo.

Estandartes amarelos, gloriosos, dourados,
sobre o seu telhado ondulavam, flutuavam.
(Isso, tudo isso, aconteceu há muito,
muitíssimo tempo.)
E em cada brisa suave que soprava,
naqueles doces dias,
ao longo dos muros pálidos e empenachados,
se elevava um aroma alado.

Caminhantes que passavam por este vale feliz
viam, através de duas janelas iluminadas,
espíritos que se moviam musicalmente
ao som de um alaúde bem afinado,
em torno de um trono onde, sentado,
(Porfirogênito!)
com majestade digna de sua glória,
aparecia o senhor do reino.
[...]