Pessoalidade desnecessária.

O que queres que eu te faça.
Senão que te espanque.
Que queres que eu te seja.
Senão teu algoz.
Que queres da vida.
Senão solidão.
Descompasso constante.
Empacado frente à imensidão.



Solidão, sempre solidão.

O corpo.

Parecia mais um dia normal. E quente. Resolvi refrescar-me na piscina pública da cidade, esfriar o corpo e a mente cansada. Tudo acontecia como de costume, procurei o meu armário, de número 230. Estava ocupado, eu sabia que deveria ter saído de casa mais cedo. Tive que contentar-me com o 225. Despi-me e tranquei minhas coisas no armário. Ao entrar no ambiente da piscina, os mesmos corpos forçados ao máximo em horas desperdiçadas em academias e clínicas de estética. E os corpos relaxados. Estes sem dúvida são os piores.
Não pensei duas vezes ao mergulhar de cabeça na água, talvez ao emergir o ambiente fosse outro. Logo que voltei à superfície eu a avistei.
As gotículas d'água prendiam-se ao seu corpo fazendo refletir estonteantemente a luz do sol. Mal podia crer no que viam meus olhos, um corpo tal qual nunca havia dantes visto. Torneado com perfeição, curvas voluptuosas que excitavam meus sentidos. Não encontrava forças para conter-me, mantinha o olhar fixado nela, e em seu biquini vermelho. Tinha receio que ela me visse ali, a espreitá-la. Mas ao mesmo tempo este receio aumentava a minha excitação.
Então ela se virou, mergulhou e veio em minha direção.
Os cabelos negros surgindo a minha frente, os grandes olhos cor de amêndoa mais pareciam jóias, cujo valor incalculável. Ela ficou ali, parada. Seus olhos pareciam penetrar-me, desvendar meus segrados mais íntimos.
Num ímpeto inexplicável, meu corpo se faz submergir, olhar através da água aquele corpo divino.
Abro os olhos, ela não está lá.
Mesmo após emergir, onde quer que pairassem, meus olhos não a encontravam.
Teria sido este mais um delírio, uma alucinação? Eu sabia que elas viriam, mas não sabia que seriam tão reais.
Então, num relance, aquele biquini vermelho na rampa de saída. Nado em direção a uma borda desocupada da piscina, ergo-me com certa dificuldade.
Tento correr em direção a rampa, mas meu corpo parece pesar mais que os 72kg usuais. Um mal súbito me acometeu e eu me recordo da dor que senti ao bater com a cabeça no chão.
Ao abrir os olhos fui tomado por uma agonia imensurável, a luz era forte demais. Mas como ser humano que sou, acostumei-me logo com aquela luz. À princípio pensei estar de volta ao sanatório, aquelas paredes super brancas e aquela luz fluorescente. Mas havia algo errado, não haviam enfermeiros ou médicos. Nem outros pacientes.
Levantei-me. Tuoque havia naquela sala era uma mesa de ferro, sobre a qual eu estava deitado, e eu, vestido com uma camisola manchada de sangue, não havia portas ou janelas. Minha cabeça ainda me incomodava, passei a mão sobre ela e descobri que aquele sangue na camisola era meu.
As paredes fazem um barulho estranho, estão ruindo. Agora estou aqui, no meio destes escombros. Tudo que vejo no horizonte são resquícios de algum incêndio, o campo está todo queimado, as árvores, as casas. Tudo queimado.
Ao longe posso ver uma dama de vestido vermelho. É ela, eu sei que é ela. Ela se aproxima tão rápido que mal tenho tempo de esconder o sangue em minha... Não estou mais de camisola, visto agora um terno preto, com gravata e um lenço vermelho-sangue no bolso.
Perco-me novamente naqueles olhos. A única coisa que consegui ouvir foi:
"Eu sabia que você vinha logo."


Afnal, eu não passava de um corpo caído em uma piscina pública. Cuja alma se esvaiu em um rastro de sangue cor de biquini vermelho.